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Os novos riscos profissionais introduzidos pela Nanotecnologia

Introdução

A nanotecnologia é um dos mais promissores campos em desenvolvimento, que terá seguramente um impacto extremamente visível no dia-a-dia das nossas vidas no futuro próximo. As aplicações potenciais da nanotecnologia expandem-se rapidamente à escala global. Na próxima década o impacto económico global da nanotecnologia poderá ascender a 1 trilião de dólares e empregar 2 milhões de trabalhadores. Existem mesmo especialistas que trabalham nesta matéria que consideraram que o impacto da nanotecnologia nos próximos anos nas nossas vidas será superior ao que a internet e a biotecnologia tiveram juntos na última década.

A questão que se coloca, e que nos interessa como profissionais da área de SHST, centra-se nos novos riscos ocupacionais que surgem para os trabalhadores desta indústria. As entidades de referência que se debruçam sobre o tema estão de acordo que a natureza totalmente nova dos materiais nano, requer estudos aprofundados e de continuidade e que os efeitos toxicológicos associados ao manuseamento destes novos materiais estão longe de serem conhecidos. Está-se no início do longo caminho do conhecimento sobre o impacto da nanotecnologia na Segurança e Saúde dos trabalhadores.

Neste texto tentaremos levantar algumas das principais questões relacionadas com o tema, com o objectivo principal de aumentar a consciência colectiva sobre o assunto, começando naturalmente pela definição e delimitação do tema.

Afinal o que é a nanotecnologia ?

O termo nanotecnologia tem evoluído ao longo dos anos e de facto um dos problemas que a nanotecnologia enfrenta é alguma confusão relacionada com a sua própria definição. A maior parte das definições giram à volta do estudo e controlo de fenómenos e matérias em dimensões inferiores a 100 nanometros (1 nm = 1E-9 m= 0,000000001 m) e em muitos casos faz-se mesmo a comparação que alguns especialistas consideram errada dessa ordem de dimensão com a dimensão de um cabelo humano, cuja espessura é da ordem dos 80.000 nm.


Figura 1.

Na figura pode-se observar a enorme diferença na ordem de dimensão entre um cabelo humano (a violeta) e estruturas nano, neste caso uma estrutura de nanotubos de carbono, a uma escala de dimensão claramente inferior.

No entanto existe também o argumento que a delimitação da nanotecnologia à gama 1-100nm excluiria vários materiais e nano-sistemas, designadamente na área farmacêutica, e portanto alguns especialistas são muito cautelosos em relação a uma definição rígida baseada nas dimensões inferiores a 100nm.

Um outro critério importante é requisito de que uma nano-estrutura tem que ser fabricada pelo Homem. Caso contrário ter-se-ia que incluir no campo da nanotecnologia todas as biomoléculas e partículas de materiais, redefinindo uma grande parte da química e da biologia molecular como “nanotecnologia”

Mas, o principal critério para a definição de nanotecnologia é que uma nano-estrutura tem que ter características e propriedades especiais que se devem exclusivamente à sua escala nano, que a outra escala não se verificam.

Uma definição que parece equilibrada, representativa e que evita o critério dimensional é a seguinte:

A concepção, caracterização produção e aplicação de estruturas, dispositivos que, através do controlo manipulado do seu tamanho e forma à nano-escala (atómica, molecular e macro-molecular) resulta em uma propriedade nova ou superior em relação às propriedades anteriormente conhecidas. (1)

Sendo natural que o aspecto dimensional será sempre uma característica relevante para a nanotecnologia e para que se tenha uma ideia mais precisa da dimensão pode-se afirmar que uma cadeia de 5 a 10 átomos deverá ter uma dimensão da ordem de 1nm, ou seja um milionésimo de milimetro.

Muitas das propriedades dos nano-componentes são baseadas nos efeitos quanticos que apenas aparecem a esta escala atómica, o que faz com que as fonteiras entre a química, a física e a biologia fiquem por vezes indistinguíveis.

propriedades relevantes dos nano-materiais

A escala de trabalho associada à nanotecnologia apresenta também outros aspecto extremamente importantess para a área da Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho:

Talvez uma das propriedades com maior potencial de impacto será a área disponível por unidade de massa do nano-produto. Pelo facto dos componentes de trabalho estarem a ser manipulados à escala nano, a área de componente disponível por cada unidade da sua massa aumenta de forma dramática.

Num nano-cubo com arestes de cerca de 10 atómos de comprimento cerca de 50% dos átomos do cubo estão expostos na superfície exterior do cubo. Se esse cubo tiver 1000 átomos de aresta, apenas 0.6% dos átomos estarão expostos na superfície exterior do cubo. Ou seja,

  • Um cubo de 1000 átomos de aresta tem cerca de 6 milhões de atómos expostos na superfície do cubo;
  • 1 milhão de cubos de 10 átomos de aresta (mesmo número total de átomos que um cubo de 1000 átomos de aresta) tem 500 milhões de átomos expostos nas superfícies dos respectivos cubos.

Para o mesmo número total de átomos, no exemplo acima, aumentou-se a área exposta em cerca de 80 vezes.

Figura 2.

A imagem diz respeito a uma estrutura de nanocubos de prata, com uma aresta média de 175 nm, susceptíveis de serem utilizados em aplicações ópticas e electrónicas.

Este aspecto faz com que normalmente aumente também dramaticamente as propriedades de reactividade dos componentes quando estes se encontram à escala nano, o que pode ser extremamente relevante quer no que concerne às propriedades toxicológicas, quer no que concerne por exemplo às propriedades combustíveis, comburentes ou mesmo explosivas .

Adicionalmente ao rácio de área de superfície exposta por unidade de massa, outras propriedades das nanopartículas, tais como a forma, solvabilidade, grau de aglomeração e potencial de oxidação, cuja especificidades se revelam tão relevantes nos campos da engenharia dos materiais e indústria farmacêutica, resultam também em precupações acerca dos efeitos que tais propriedades podem ter na saúde do organismo humano.

Aspectos relevantes no âmbito da SHST

Em relação aos efeitos toxicológicos :

Um dos aspectos mais relevantes da temática da nanotecnologia e que levanta interrogações no campo da SHST será sem dúvida o maior potencial de entrada dos nanomateriais no organismo humano e se essa característica pode por si constituir um perigo acrescido . A grande via de entrada dos nanomateriais no organismo será expectavelmente a via respiratória se o nanomaterial se encontrar na forma de partículas respiráveis em suspensão. As suas características dimensionais, colocam a pele também como uma via propensa à entrada e, por fim, com uma menor relevância a ingestão.

Alguns estudos em animais revelam que as nanopartículas são propensas a entrar no sistema circulatório sanguíneo e transferirem-se para outros sistemas e órgãos.

Por outro lado, estudos experimentais em ratos revelam que os efeitos toxicológicos de nano-partículas são mais potentes que doses equivalentes em massa de partículas de maiores dimensões, no surgimento de danos nos tecidos e infecções e tumores pulmonares.


Figura 3. (Fotos NIOSH)

A imagem mostra partículas ultrafinas (nano escala) de fumos de soldadura, gases de exaustão de motores a diesel e óxido de cério

As estes efeitos tem-se que juntar a incerteza associada aos novos nano-materiais que são desenvolvidos pelo campo da Engenharia dos Materiais, cujos efeitos, quer à nano-escala, quer a escalas maiores são ainda desconhecidos. Estes materiais, tais como os nano-compósitos ou nano-materiais usados em revestimentos das superfícies de outros materiais, no seu estrado final podem não constituir um risco apreciável se não estiverem em forma física propensa à entrada no organismo. No entanto o seu processo de fabrico (como por exemplo a formulação e aplicação de revestimentos de superfície, ou operações de corte destes produtos) pode produzir partículas com propensão à entrada no organismo.

Em relação aos riscos de incêndio e explosão:

Apesar de ainda não existir conhecimento suficiente para caracterizar com exactidão o grau de incremento de risco de incêndio e explosão associado à escala inferior das partículas elementares das nano-partículas quando em suspensão aérea, parece evidente o potencial de risco acrescido, face a materiais com partículas elementares de maiores dimensões, devido à sua maior área disponível para a mesma massa de material combustível e a propriedades reactivas, únicas da nano-escala. Ao diminuir o tamanho das partículas até à sua nano-escala, o potencial de combustão e a taxa de combustão poderão aumentar, podendo até acontecer que alguns materiais normalmente considerados inertes, sejam fortemente reactivos à sua nano-escala. Por exemplo existem materiais cuja taxa de cumbustão aumenta em 300 vezes quando se passa da “micro-escala” para a “nano-escala”.

Por outro lado a suspensão aérea de nano-materiais combustíveis poderá representar um risco acrescido de explosão que a suspensão de materiais “não-nano” de semelhante composição.

Alguns nano-materiais podem ter um efeito catalisador numa reacção química que não teriam a uma escala maior. Adicionalmente, alguns nano-materiais são especificamente concebidos para libertarem calor ao longo de reacções químicas à nano-escala. Por esse facto, esses materiais podem representar um perigo que é único dos nano-materiais.

Potencial de risco para a saúde dos trabalhadores

Como em qualquer novo material ou substância que está a ser desenvolvido, o conhecimento dos efeitos sobre a saúde humana são limitados.

No entanto, estudos revelam que trabalhadores expostos a aerossóis a partículas ultrafinas ou nano-partículas, voluntariamente concebidas e fabricadas, ou incidentais, têm maior probabilidade sentir efeitos adversos na sua saúde, designadamente ao nível da função pulmonar, incluindo diminuição da função pulmonar e contracção de doenças obstructivas do sistema respiratório.

Existe um grau elevado de incerteza em relação às implicações destes estudos no que concerne especificamente a nano-particúlas tecnologicamente desenhadas, e que poderão ter propriedades toxicológicas distintas.

Do exposto decorre que a única certeza que existe neste momento é que a investigação nesta área terá ainda que percorrer um longo caminho para que se possa determinar com maior grau de certeza o potencial de risco dos nano-materiais para a saúde dos trabalhadores expostos.


Figura 4. (Fotos Aerossol Science and Engineering – University of Florida and Washington University)

Nas imagens podem ver-se nano-partículas de dióxido de titânio, nano-tubos de carbono e nano-partículas de óxido de ferro, por esta ordem.

Exemplos de tarefas com risco de exposição a nano-partículas

As actividades que se seguem constituem alguns exemplos de um lote mais alargado, as quais podem incrementar risco de exposição a nano-partículas pelos trabalhadores envolvidos:

  • Trabalho com nano-materiais em soluções líquidas sem a protecção necessária (por exemplo luvas adequadas);
  • Trabalho com nano-materiais em soluções líquidas durante a transferência entre recipientes/contentores ou quando um grau elevado de agitação está presente;
  • Produção de nano-partículas em ambiente não confinado/enclausurado;
  • Manuseamento (por exemplo: pesagem, mistura etc.) de nano-materiais com apresentação pulverulenta;
  • Operações de manutenção a equipamento usado para fabrico de nano-materiais e limpeza de desperdícios contendo restos de nano-materiais;
  • Limpeza de sistemas de captação e filtragem usados para inibir a libertação de nano-partículas para o ar ambiente;
  • Maquinagem, lixagem, furação ou outro tipo de operações de disrupção mecânica em materiais contendo nano-partículas.

Medidas de Prevenção

Dada o conhecimento limitado dos riscos que podem resultar dos nanomateriais para a saúde dos trabalhadores, a tomada de medidas que tenham como resultado a limitação da exposição dos trabalhadores a estes materiais aparece como medida mais prudente e imediata.

Para a maior parte dos processos e tarefas o controlo da exposição a nano-aerossóis pode ser conseguida através de estratégias de controlo semelhantes às usadas para a exposição a outros aerossóis comuns.

A implementação de um programa de gestão de riscos nos postos de trabalho onde exista exposição a nanomateriais, poderá ajudar a mitigar o potencial de exposição a nano-partículas. Elementos de um programa devem contemplar:

  • Identificar os perigos associados ao nanomaterial baseando-se no conhecimento acerca das propriedades químicas, físicas, toxicológicas etc., das partículas ultrafinas, que esteja disponível e que possa ser usado para as nano-partículas;
  • Caracterização da tarefa do trabalhador com o objectivo de caracterizar o potencial de exposição;
  • Formar e educar os trabalhadores nas boas práticas de trabalho (por exemplo procedimentos de manuseamento dos nano-materiais);
  • Estabelecer critérios e procedimentos para implementação e avaliação de controlos de engenharia (por exemplo, sistemas fechados ou ventilação de exaustão local) em locais onde a exposição a nano-materiais possa ocorrer. As condicionantes técnicas que deverão reger a selecção de sistemas fechados versus exaustão local e vice versa estão ligadas com a forma física dos nano-materiais – quanto mais dispersão se verificar, mais justificada fica tecnicamente a escolha por um sistema do tipo “fechado” ou “enclausurado”;
  • Avaliar a necessidade de selecção, aquisição, disponibilização e uso de Equipamentos de Protecção Individual (vestuário, luvas, máscaras, protecção ocular, etc);
  • Reavaliar periodicamente todo o processo de modo a maximizar o potencial de eficácia do programa de gestão risco, no sentido da redução da exposição efectiva dos trabalhadores;
  • Integrar a temática do uso e contacto com as nano-partículas nos mecanismos de vigilância, supervisão e controlo de Segurança e Saúde no Trabalho, existentes na Organização, incluindo os processos de Saúde Ocupacional/Vigilância Médica.

Em geral o sistema geral de hierarquização dos controlos a implementar continuará a ser válido para a nanotecnologia:
Método de controlo     Processo, Equipamento, Tarefa
1 . Eliminação     Alteração da concepção para eliminar o perigo
2. Substituição     Substituir um perigo por outro menor
3. Controlos de Engenharia     Isolar/Encapsular/Ventilação (local, geral)
4. Métodos Administrativos     Procedimentos/Políticas/Desenho de turnos
5. EPI     Máscaras, Vestuário, Óculos, Luvas…

Outros aspectos: Ambiente

Não directamente ligado tema da SHST, mas com relevância em temos de saúde pública, encontra-se a temática dos impactos ambientais resultantes da nanotecnologia.

Como a maior parte dos processos industriais, a nanotecnologia produz resíduos – nanoresíudos. Neste momento nos países que lideram a investigação e produção de nanomateriais, como é o caso dos Estados Unidos da América, discute-se como avaliar e minimizar os impactes ambientais resultantes desta indústria: Que efeitos têm os resíduos da nanotecnologia no ambiente; Que encaminhamento dar a esses resíduos; Como tratá-los ?

Como na SHST, também aqui existe uma enorme lacuna de conhecimento e de orientações ou directivas consolidadas governamentais ou das respectivas agências de protecção ambiental (nos EUA é a EPA – Environmental Protection Agency).

Não sendo fora de vulgar naquele país a colocação de acções cíveis nos tribunais por não tratamento adequado das questões com impacto na saúde pública (veja-se a questão das elevadas indemnizações que uma série de grandes empresas foram forçadas a suportar por amianto instalado há décadas atrás), a indústria da nanotecnologia, ou pelo menos parte dela, estuda as formas que, à luz do conhecimento actual e até surgirem directivas concretas das agências de protecção ambiental, serão as mais adequadas em termos da minimização dos impactes ambientais causados pela nanoresíduos e restantes impactes (mais informação aqui).

Relevância para Portugal

Hoje é uma realidade que a nanotecnologia aparece-nos no nosso dia a dia, desde na concepção de novos tecidos e fibras, cosméticos, tintas e revestimentos, biotecnologia, brinquedos, embalagens alimentares e outras, materiais com novas caracterísitcas de resistência, etc. (pode encontrar uma listagem de produtos de consumo que hoje já usam a nanotecnologia aqui)

O número de produtos que aparecem no mercado que usam na sua composição nano-componentes aumentam a taxas consideráveis, em alguns casos, duplicam anualmente.

Em 2004 o HSE do Reino Unido estimava que apesar de “apenas” 2000 trabalhadores estarem directamente ligados à produção de nano-materiais (essencialmente universidades e empresas de engenharia de materiais), é possível que nesse ano já mais de 1.000.000 de trabalhadores estivessem expostos aos efeitos da nanotecnologia, não só incidentalmente, resultado de processos industriais como a soldadura ou a refinação, mas também por processamento de matérias primas que na sua composição contêm nano-produtos.

Em Portugal, através da promulgação do Decreto-Lei nº 66/2007 de 19 de Março é constituída a Comissão Instaladora do Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL) de gestão conjunta Luso-Espanhola, em Braga. À data da elaboaração desta Newsletter, a última entrada no site da Agência para a Ssuperior referia:

“No dia 19 de Dezembro de 2008, o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Visita Obras de Construção do INL para observar no local o andamento da construção do INL. As obras decorreram a um ritmo muito elevado, sendo visíveis a elevada volumetria construída desde o final de Julho de 2008, quando a construção iniciou, e os progressos verificados numa obra que, devido à especificidade das instalações, concretiza pela primeira vez em Portugal várias novas técnicas construtivas”

A nível Europeu, a Comissão Europeia tem comparticipado em programas de avaliação dos riscos decorrentes do uso de nano-materiais nas vertentes de SHST, ambientais e de segurança de produto, designadamente o programa NanoSafe II que tem os seguintes objectivos:

  • Desenvolver e avaliar métodos de testes toxicológicos, no que concerne à sua adequabilidade para a detecção de efeitos específicos no corpo humano, em circunstâncias específicas, designadamente no posto de trabalho;
  • Estudo dos efeitos toxicológicos de outros materiais para além do titânio e do negro de fumo;
  • Investigar mecanismos de transporte das nano-partículas até aos pulmões;
  • Investigar a morfologia das nano-partículas (isoladas ou aglomeradas) e desenvolver métodos que permitam detectar o tipo e concentração de agente no posto de tabalho.

(1) – Delimitar uma área tão nova e vasta numa definição de 4 linhas é sempre um exercício inglório e até perigoso. Quem tiver interesse em aprofundar o assunto, as definições de alguns especialistas na matéria poderá consultar mais informação aqui.

LVO

Fontes:
NIOSH
Health and Safety Executive
Aerossol Science and Engineering – University of Florida and Washington UniversityDECHEMA e.V. / Society for Chemical Engineering and Biotechnology
PEN – The project on emerging nanotechnologies
Agência para a Sociedade do Conhecimento